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DO CONHECIMENTO

 

 

 

 

Nos meados do séc. XVII, o conhecimento, iluminado pela Razão, apareceu como fonte de riqueza imaterial nas obras dos filósofos, pensadores e artistas, nos panfletos revolucionários.

O século das Luzes seduziu, não só a burguesia e uma parte da aristocracia, como também, as gentes do povo. A Razão projectou o indivíduo num burburinho de modernismos desembaraçados de superstições e barbarismos, e obrigou-o a questionar-se, em todos os domínios do pensamento que pôde, assim, tornar-se crítico, científico, político, irreligioso e progressista.

A tolerância, como símbolo da liberdade individual, afirmou-se numa Europa ainda corroída pelos separatismos religiosos. E, todavia, a opressão política reinava nos estados das aristocracias; o simples facto de publicar ideias e opiniões dava direito a prisão.

Actualmente, por esse mundo fora, os inúmeras governos que submetem as suas populações ao obscurantismo, e as privam da liberdade de expressão são os clones actuais desses estados de outrora.

Grandiosa época essa em que as ideias filosóficas, literárias, artísticas e políticas percorriam as cidades europeias, espalhando-se não só em lugares frequentados pelas elites do dinheiro e da aristocracia, mas também nas tavernas populares, nas salas de teatro, nos adros das catedrais, onde o povo, entusiasmado, aderia a todas as novidades e às ideias que poriam fim, décadas mais tarde, ao poder das elites aristocratas. Havia, então, mais e melhor reflexão cidadã, mais paixão pelos tesouros da sabedoria e do conhecimento que nesta nossa época, apelidada, com que presunção, sociedade do conhecimento!

Na verdade hoje não é o conhecimento que caracteriza o nosso tempo e as nossas sociedades mas sim as quotidianas overdoses de informação veiculada por programas de televisão manipuladores e por uma miríade de blogers alienados e convencidos que detém infindáveis doses de “verdades”.

Infelizmente esta bulimia de informação não impede a aflitiva falta de vigor mental que caracteriza os intelectuais do nosso tempo, universitários, cientistas, economistas, filósofos, escritores, artistas, prémios Nobel, políticos e médias.

Quase todos eles se regem pela bajuladora retórica do pensamento único, pela “verdade de cima”, verdadeiro estigma nesta sociedade de compromissos, de mediocridade intelectual e de covardia política, uma sociedade enferma que coloca os seus baixos interesses materiais acima do espírito e da Razão!

O conhecimento representa para o homem a maior riqueza do mundo; nenhum bem material ou imaterial poderia abrir-lhe, escancarar-lhe, tão facilmente as portas da felicidade intelectual e espiritual.

Mais activo e fecundo que qualquer droga, ele segrega no cérebro substâncias químicas tão poderosas que conseguem amplificar as sensações físicas e as faculdades criativas do espírito.

E, contudo, o conhecimento é o resultado de um simples processo mental, a curiosidade. Foi a curiosidade que forçou os nossos longínquos antepassados a sair da África e a descobrir o mundo. Presente na maior parte das espécies animais, a curiosidade é um dos processos cerebrais responsável pelo aperfeiçoamento dessa ferramenta extraordinária que é a inteligência.

Ao invés da ignorância que encaminha as civilizações para a sua autodestruição, o conhecimento engrandece-as, prolonga-as no tempo.

Infelizmente, os poderes instituídos, especialmente o político e o religioso aproveitam-se desta terrível doenças do espírito, a ignorância, para manter as massas na escuridão mental, isto é, no obscurantismo e assim dominá-las, aliená-las.

A clarividência da Razão enriquece o conhecimento, torna-o vasto, profundo, abre-lhe as portas do progresso humanista. A irracionalidade do obscurantismo conduz ao horror dos genocídios e à barbaridade das tradições, dos costumes e das superstições!

O conhecimento apela ao direito, à justiça e à verdade, o obscurantismo faz a vénia ao despotismo, não sabe distinguir o justo do injusto e assume-se, sempre, como detentor de todas as verdades.

O conhecimento ao deixar-se guiar pela curiosidade, procura investigar com rigor e fervor todas as fontes de informação, assegura-se da sua rectidão e validez.

A ignorância e o seu alter-ego o obscurantismo interrogam-se o menos possível. A curiosidade é o seu pior inimigo. Então, flagelam-se, mortificam-se para não ceder aos seus encantos.

Estes dois vírus do irracionalismo procuram obstinadamente contaminar as mentes, avançam pelos caminhos pegajosos da superstição, solidificam-se de geração em geração, protegem-se da Razão, escondendo-se sob uma carapaça monstruosa de crenças e aberrações mentais, procuram transformar as não-verdades em verdades absolutas, e em último recurso recorrem ao fanatismo para doutrinar e dominar o género humano. 

Cada ideologia, cada religião prega à humanidade a sua verdade. Por cada uma dessas verdades, mata-se e morre-se, nos campos estéreis do obscurantismo.

Se estes dois módulos mutantes do intelecto não provocassem danos irreparáveis nas sociedades, não seria necessário avançar contra eles brandindo a melhor das armas, o conhecimento. Mas esses abortos do intelecto são castradores das mentes, catalisadores de todas as violências contra o espírito.

A consciência humana é demasiado manipulável, deixa-se influenciar, facilmente, e isso torna-a coveiro da sua própria sepultura. Assim, é normal, mesmo louvável que aquele que possui uma parte, nem que seja ínfima do conhecimento, acorra em socorro do seu próximo para impedir que por fraqueza e cegueira, ele se faça escravo dessas abominações que são o obscurantismo e a ignorância.

Compete ao estado globumanista abrir as portas do conhecimento a todos os cidadãos, em perfeita, total, igualdade de condições, para que estes, passando por cima de determinismos genéticos ou sociais possam aceder aos tesouros da individualidade.

Só assim conseguiremos tornar-nos cidadãos conscientes dos nossos direitos e deveres, só assim poderemos participar, plenamente, na constituição de uma verdadeira democracia.

 

 

 

 

 

 

 

 

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